Glossário da sustentabilidade: biodegradável

Este post foi escrito originalmente em espanhol pela Mariana Matija e traduzido para o português pro Uma Vida Sem Lixo pela Cristal Muniz com autorização da autora. 🙂

Agora que se fala do tema com mais frequência, se poderia pensar que entender o conceito da sustentabilidade é uma tarefa simples. No entanto, o “jargão verde” é cheio de truques, principalmente quando usado para nos convencer a escolher uma opção “ecológica” ou comprar um produto “sustentável”.

Aprender a identificar quando essas palavras realmente significam algo e quando estão aí somente para maquiar de verde um produto ou serviço tem sido uma tarefa difícil, às vezes frustrante… e também dá a sensação de que nunca termina.

Com as facilidades da internet e das redes sociais (e acredito que com a pressão que vai aumentando a medida que vemos as consequências aparentemente irreversíveis dos nossos atos) cada vez mais há informação disponível sobre alimentação consciente, consumo responsável, slow fashion, redução de lixo… enfim, sobre vida sustentável. A questão é que mais informação não é necessariamente o mesmo que informação melhor e entre tantas publicações de blogs (olá!), notícias, imagens compartilhadas em redes sociais e campanhas governamentais e de mercado (essas que normalmente tem mais teoria que prática), é fácil perder o rumo e confundir os dados relevantes com os improvisados, a informação crítica com a vontade de vender.

Por isso, nesse glossário quero te dar ferramentas para que você navegue o mundo da sustentabilidade com mais confiança e para que dê um passo mais além no caminho do consumo realmente responsável. A inauguração oficial dessa seção será com uma das palavras mais complicadas, manipuladas e importantes do mundo da sustentabilidade: Biodegradável.

Para começar pelo começo, vamos ver a definição do dicionário (da RAE mais precisamente), que diz tudo e não diz nada:

biodegradável
De bio- e degradável.
1. adj. Quím. Dito de uma substância: 
Que pode ser degradada por ação biológica.

Se vamos ver as raízes etimológicas, temos:

O grego βιος (bios = vida)
O prefixo latino de- (direção de cima pra baixo / distanciamento / privação)
O latim gradus (grado) [Exprime a noção de andadura, passo.]
O sufixo latino -ável (indica possibilidade)

E, por último, não podemos ficar sem a definição da Wikipedia:

Biodegradável é o produto ou substância que pode se decompor nos 
elementos que o formam, devido a ação de agentes biológicos como 
plantas, animais, microorganismos e fungos sob condições ambientais 
naturais.

Até aqui poderíamos pensar que tudo está claro e que se algo é biodegradável é o máximo. No entanto, se a gente se deter a analisar realmente o significado da palavra, veremos que biodegradável é nada mais que uma característica… não é uma garantia de nada. É como dizer que algo é sólido, ou líquido, ou grande, ou pequeno. É uma característica e só.

Sei que no fundo queremos que essa palavra tenha um significado mais… bom, mais significativo; queremos acreditar que biodegradável nos garante um impacto ambiental menor. E é precisamente aí que está a armadilha.

A biodegradabilidade é uma propriedade de um material,
não é uma garantia de benefícios pro meio ambiente.

Mas o que significa isso? Significa que NÃO devemos tomar a biodegradabilidade como se fosse um bálsamo sagrado da vida sustentável, e que temos que ter em conta um montão de outros fatores para saber se efetivamente essa característica implica em uma redução da pegada ambiental a cada caso particular. Em resumo: a biodegradabilidade – como a sustentabilidade – é um tema complexo que gera perguntas complexas, e as perguntas complexas não tem respostas fáceis. Ainda bem que a gente gosta de desafios… né?

Explico com exemplos:

1. O pão é biodegradável

Se um pedaço de pão vai parar na terra (onde terá contato com água e oxigênio), com o passar do tempo ele vai se biodegradar e chegará o momento que desaparecerá por completo. Mas ele não desaparece realmente, ele se converte em outras coisas como dióxido de carbono e outros compostos que o solo aproveita como nutrientes.

Se esse mesmo pedaço de pão (que é 100% biodegradável) vai parar em um aterro sanitário (no qual as condições são completamente diferentes do chão de um jardim), as moléculas não conseguem se degradar da mesma maneira, não podem se reintegrar no solo como nutrientes e o que fazem é gerar metano. O metano é um gás gerador do efeito estufa 25 vezes mais potente que o CO2… Na verdade, os aterros são a terceira maior fonte de metano, portante, um produto biodegradável em um aterro (que é onde normalmente vão parar) gera um duplo negativo: montanhas de lixo que não se reintegram à terra e que também contribuem para o aquecimento global. (Mais um motivo pra reduzir radicalmente o desperdício)

2. Existem plástico biodegradáveis.

De fato, todo plástico é tecnicamente biodegradável, incluindo o que se fabrica com petróleo, mas na maioria dos casos precisa de tanto, tanto tempo (centenas ou milhares de anos) que em termos práticos se consideram não-biodegradáveis. E, em todo caso, quando se degradam deixam um montão de coisas tóxicas no solo; de modo que realmente não parece bom, não importa de onde você olhe.

Mas sim, também existem plásticos de origem vegetal que se supõe que foram projetados para serem mais biodegradáveis. Isso pode parecer a invenção do século, a resposta para todos nossos problemas, a solução que estávamos procurando… mas não. Os plásticos biodegradáveis trazer outra pilha de inconvenientes, às vezes inclusive piores que os que os plásticos convencionais feitos a partir do petróleo têm.

Não vou me estender muito – esse tema realmente merece uma publicação inteira – mas vou te contar os principais problemas: 1) A sua produção exige enormes terrenos, agrotóxicos e maquinário que também usa combustíveis fósseis. 2) A matéria-prima costuma ser o milho, então a produção de “bioplásticos” coloca em risco a segurança alimentar de muitas partes do mundo, onde acaba sendo mais lucrativo – e se prefere – produzir milho para fazer copos descartáveis ​​para os mais ricos, do que para fazer produtos comestíveis para os mais pobres. 3) Geralmente são biodegradáveis apenas em ambientes controlados. Quer dizer que eles não se biodegradam se você jogá-los no jardim, nem se vão parar em um aterro sanitário… somente em uma planta específica em condições específicas que não estão disponíveis em qualquer lugar. E 4) Seguem promovendo uma mentalidade de usar e jogar fora, com o agravante de que muita gente pensa que, por serem biodegradáveis, tem menos impacto no meio ambiente, usando-os de uma maneira ainda mais descontrolada e inconsciente.

3. O papel é biodegradável.

Sim, e também é um dos principais protagonistas dos aterros sanitários onde – como já vimos – as coisas não se biodegradam rodeadas de unicórnios e arco-íris, mas sim criam problemas enormes de contaminação e intensificam o aquecimento global.

Na Colômbia [onde a Mariana vive], para dar um pouco de contexto, se calcula que o consumo anual per capita de papel é de 28 kilos e desse total não se recicla nem a metade (de reciclagem falaremos em outro post do glossário porque temos que dar três voltas). Não tenho dados exatos de quanto papel chega aos aterros sanitários na Colômbia, mas nos EUA, em 2009, totalizaram 26 milhões de toneladas. E se calcula que são necessários 68 milhões de árvores por ano para satisfazer a demanda de papel, só nesse país.

E sim, é biodegradável. Como pode ver, isso não significa que seu impacto ambiental seja pequeno.

* * *

Espero que, chegando aqui, você tenha se dado conta que o “biodegradável” não é como se pinta por aí. Se associa comumente com produtos que são supostamente mais amigáveis com o meio ambiente, mas existem pouquíssimas – ou nulas – regulamentações ou leis que controlem o uso dessa palavra… então qualquer um é livre pra colocar ela na etiqueta do seu produto e vender as mesmas coisas de sempre “maquiadas de verde“, enganando muita gente bem intencionada no processo e sem ter que dar explicações a ninguém.

Algo ser biodegradável não significa que seja benéfico para o meio ambiente, de fato não significa sequer que seu impacto seja menor. Ser biodegradável tampouco é uma garantia de que seu processo de produção foi responsável, que é saudável ou que sua existência não seja uma completa estupidez; por exemplo: canudos de papel: Biodegradáveis? Sim. Inofensivos? Não! Seguem sendo um dos objetos que 99.9% da população não precisa, que necessita desmatamento e processos industriais para sua fabricação, transporte e embalagem e tudo isso pra serem usados durante 15 minutos e depois jogados no lixo acompanhado de – adivinhe – lixos não-biodegradáveis. Ou seja, por mais biodegradáveis que sejam, também vão parar em um aterro sanitário onde, por causa das condições anaeróbicas NÃO vão se biodegradar e passam a ser um dos objetos desnecessários que aumentas as montanhas de lixo e pioram o aquecimento global.

* * *

Agora, isso também não quer dizer que “biodegradável” é algo ruim… como disse mais acima: é uma característica, e pronto. Não devemos super-simplificar as coisas e devemos entender que para que a biodegradabilidade efetivamente implique em uma pegada ambiental menor, existem muitos fatores que também temos que ter em conta, como a extração da matéria prima, o processo de fabricação, o transporte e embalagem necessários, o uso e – talvez o mais importante – o que acontece no final do ciclo da sua vida, onde vai parar e o que podemos controlar nesse processo.

Pra finalizar, “biodegradável” soa bonito porque tem “bio” e parece que vem da natureza e volta pra ela. Mas é que TUDO, em alguma medida, vem da natureza e volta pra ela… desde os materiais mais nobres e mais inofensivos até as coisas mais tóxicas. Não é uma questão de biodegradabilidade, é a maneira que se usa um material que dita o impacto no meio ambiente. Sobre isso você pode explorar mais a fundo nessa palestra do TED da Leyla Acaroglu em que ela explica, a propósito, porque as sacolas de papel são mais nocivas ao planeta que as sacolas de plástico. Isso mesmo que você leu. Nada é mais sagrado (e menos nesse glossário).

Mudou a sua percepção sobre a palavra Biodegradável? Você já se sentiu confusa/o com os jargões da sustentabilidade? Que palavras você gostaria que aparecesse mais a frente no glossário? Conta nos comentários!

Podes revisar mais informações aqui, aqui e aqui. Podes consultar mais sobre plásticos biodegradáveis aqui.

Author: Cristal Muniz

Cristal Muniz decidiu em 2015 que iria parar de produzir lixo e por isso criou o blog Um Ano Sem Lixo. Ao longo desses anos já deu várias palestras em escolas, universidades e eventos contando quais são os principais desafios e o que mudou na sua vida para alcançar o objetivo do lixo zero. Um ano virou uma vida e em julho de 2018 publicou o livro Uma vida sem lixo (Editora Alaúde), o primeiro livro sobre como ter uma vida lixo zero do Brasil.

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  • Olá,
    Meu nome é Monalisa e fiquei curiosa com a frase “as sacolas de papel são mais nocivas ao planeta que as sacolas de plástico. ” e assisti o TED. E discordo! Do ponto de vista da Leyla Acaroglu que fecha o ciclo da utilidade do papel em aterros sanitários comuns realmente tem impacto. Mas no momento que se coloca na balança o percusso do ciclo do plástico e do papel no ecossistema (solo – água – ar – seres vivos) no meu ponto de vista, o plástico ainda tem maior impacto. Se analisamos ambos podem acabar nos aterros sanitários ou lixões. Mas o ciclo do plástico no solo, água e seres vivos é ainda mais danoso. Em nós humanos a ingestão de microsplásticos, nos animais aquaticos a mortalidade, os acidentes e a ingestão desses plásticos como alimento, no solo a contaminação e a mortalidade da biota e sem contar com o tempo que esse plástico leva para deteriorar nos ambientes.