Embalagem também é produto

Segurando essas desgraças de plásticos que vêm com livros de vez em quando.

Quando a gente compra um produto, a gente compra também uma embalagem. Não à toa embalagens de certos produtos, como perfumes, celulares ou marcas de luxo são diferentes. Não à toa também você encontra caixa de produto à venda em sites de coisas usadas. Embalagem é importante pras marcas pra comunicar os valores delas, mas o único valor que não parece ser levado em conta ainda tem sido a sustentabilidade.

Me incomoda profundamente ver debates sobre composição, sobre o conteúdo (dos produtos em si) avançando e a embalagem não. Não dá pra gente continuar achando que plástico é ok, é bom, é o que tem. E também não adianta q u a s e n a d a “compensar” o uso de material com as embalagens que você, marca, produz. É tipo isso do carbono neutro, mas esse debate a gente faz outro dia que ainda preciso estudar um pouco.

Outro dia eu recebi aqui em casa um recebido. Não vou mostrar foto nem dizer a marca (desculpa nação fofoqueira!!!), mas vou descrever como e o que era: um pacote grande, uma caixa, que tinha um papel pardo por fora cheiro de fita adesiva plástica. Ao tirar o papel pardo, uma caixa revestida em plástico bolha. Dentro da caixa, um shorts de um tecido “carbono neutro” com outras coisas que não vem ao caso agora mas eram extra, o produto em si da marca era esse shorts. Outro dia também recebi um parecido, uma caixa dentro de outra caixa, toda envolta de plástico bolha pra proteger uma camisa. Nos dois casos fiz o que qualquer um faria: reclamei no twitter.

Eu tenho uma política de recebidos que é: prefiro não. Eu sempre pergunto o que a marca quer me mandar quando elas pedem meu endereço pra saber e avaliar se faz sentido receber e, muitas vezes digo não. Nesse caso eu não recebi o email, simplesmente recebi o pacote – inclusive com o shorts & a camisa do tamanho errado, nem vou conseguir usar – que é outra coisa ainda, alô Lei Geral de Proteção de Dados.

Veja bem, o shorts pode até ter uma história legal e a marca ter feito um esforço bem grande de melhorar seus processos, mas ele chegou cheio de lixo plástico na minha casa. E é a partir daqui que queria discutir uma coisa que tem me incomodado muito e gostaria de transmitir o incômodo: embalagem também é produto. E a gente precisa começar a cobrar das empresas isso.

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Se a marca tá tirando matéria-prima virgem da natureza pra fazer embalagens e “compensando” isso com a reciclagem, não tá de fato recuperando nada. Estaria se: tivesse reciclando essas embalagens e reutilizando o mesmo material, num ciclo fechado.

Se a marca tá usando um material que tem uma reciclagem difícil e insípida (como é o caso plástico, já até falei nesse outro post), também na prática tá contribuindo pro acúmulo de lixo. Por isso o plástico é um problema. Mesmo que a empresa esteja pegando plástico de pós-consumo, o que vai ser feito com sua embalagem depois é provavelmente nada (mais conhecido como lixo).

Relatórios já provaram que os maiores poluidores de plástico do mundo são grandes marcas: Coca-cola, Nestlé, Unilever, Pepsico. Elas não tão vendendo só produto, tão vendendo lixo também. E não adianta dizer que é culpa do consumidor que não separa o lixo, não há estrutura possível no mundo que dê conta de recuperar, reciclar ou reutilizar o volume de plástico que essas corporações jogam no mundo a cada segundo (ver filme: Story of Plastic). Tanto é que em alguns países europeus, tidos como muito sustentáveis (pelo menos por nós daqui do sul global), exportam todo seu lixo pra países pobres do sudeste asiático (agora que a China não recebe mais o lixo, desde 2018).

Mas além dos grandes poluidores, tem pequenos e médios também. Acho que esse debate é importante pra todas as marcas, especialmente as que querem ser ou se dizem mais sustentáveis. Se você tá vendendo um produto super ecológico, faz sentido colocar ele num plástico? Não, né. Se você se preocupa com isso, isso precisa ser pauta do seu negócio: como melhorar esse aspecto do meu produto. Porque a embalagem também é seu produto não só pela beleza, mas também pelo impacto que ela gera. Eu sei que é difícil, especialmente pra marcas muito pequenas, mas de algum lugar isso precisa começar a ser exigido.

Meu incômodo é que tudo é escolha. Outro dia a Apple anunciou que vai deixar de usar um plastiquinho barulhento nas caixas do iphone 13, já que sua função era apenas sensorial pros usuários fazerem o unboxing mais satisfatório (palavras deles, ok?). Com isso, vão deixar de gerar 600 toneladas métricas de plástico por ano. Pelo amor de deus, sabe.

Quem trouxe uma discussão bem legal sobre isso lá na rede-que-não-deve-ser-nomeada (mentira, é o instagram) foi a Lívia Humaire, nesse post (acima) que ela mostra diversos exemplos de embalagens livres de plástico lá na Suíça (onde ela mora) de marcas que existem também no Brasil e, aqui, são cheias de plástico. Lá, por conta de regulamentações, existe um plano pra diminuir o uso de plástico. Mas se a marca acha uma solução na Suíça, por que também não acha pro Brasil?

Então, assim: a embalagem também é produto. Ela vai junto, ela é indissociável, ela faz parte, ela é produzida e enviada junto com, junto de, pra casa das pessoas.

Author: Cristal Muniz

Cristal Muniz decidiu em 2015 que iria parar de produzir lixo e por isso criou o blog Um Ano Sem Lixo. Ao longo desses anos já deu várias palestras em escolas, universidades e eventos contando quais são os principais desafios e o que mudou na sua vida para alcançar o objetivo do lixo zero. Um ano virou uma vida e em julho de 2018 publicou o livro Uma vida sem lixo (Editora Alaúde), o primeiro livro sobre como ter uma vida lixo zero do Brasil.

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