Consumo consciente e economia colaborativa: dá pra salvar o mundo consumindo apenas produtos artesanais?

A gente vive falando que temos de consumir conscientemente, ou seja, devemos consumir produtos mais eco-friendly, produzidos numa lógica mais sustentável. Vários desses termos são importados da indústria dos alimentos para a indústria fashion, inclusive. Mas todos eles querem dizer que o produto tentou ser menos impactante pro meio ambiente na sua produção e, com isso, os consumidores conscientes ficam mais felizes em levar esses itens pra casa e “ajudam a melhorar o mundo”.

O problema é que assim a gente só muda os produtos, mas continua tendo papel apenas como consumidor que escolhe entre um produto ou outro. Continuar simplesmente comprando, mesmo que produtos tidos como menos impactantes, não é tão melhor assim. O que a gente precisa mudar é a lógica do consumo. Precisamos parar de ter papel apenas como consumidores finais e começar a questionar.

Outro dia, empolgada com descobertas de produtos naturais brasileiros, dei de cara com esse texto do NY Times: “Desculpa, Etsy. Aquele cachecol feito à mão não vai salvar o mundo“. Etsy é um site internacional famoso por comercializar produtos feitos à mão de diversos universos. Existe uma campanha deles mesmo e, aqui no Brasil, pelo seu equivalente – o Tanlup – , por valorizar mais produtos handmade.

O ponto explorado nesse texto é que criou-se uma moda ao redor das coisas artesanais que passaram de cópias toscas e baratas das roupas de “loja” para itens praticamente de luxo, exclusivos e caríssimos. Hoje em dia é muito mais viável pra maioria das pessoas comprar itens de grandes empresas que produzem sob condições duvidosas seus produtos, reduzindo muito o custo, do que de marcas nacionais, pequenas e que encarecem muito o preço final dos itens. E isso não vai salvar nem a economia, nem o mundo.

Se dar conta disso é um tanto doloroso. Quando eu fiquei pensando sobre isso, dei uma bela paralisada e, por um momento, achei que nada mais fazia sentido. Mas existem dois lances aqui: o primeiro é que tudo, tudo mesmo, causa impacto no meio ambiente e no mundo. Podemos nos preocupar em diminuir esse impacto das formas que nos são possíveis dentro da estrutura que vivemos e aí sim, estaremos sendo mais legais. O segundo lance é que existem jeitos de se pensar nosso consumo que podem começar a “salvar o mundo” e um deles é o que chamam de economia colaborativa.

Mas então, o que dá pra fazer?
Comprar produtos artesanais tem sim muitas vantagens – em pegada de carbono, em qualidade, em possibilidade de customização, em financiar produtos produzidos no seu país, etc – mas nem todas essas vantagens são a solução para o mundo moderno que vivemos.

Precisamos: 1. Lutar por leis que regulamentem a produção, importação e exportação de produtos para que seja feito de modo menos impactante pra nossa economia, para o meio ambiente e, de quebra, que seja acessível para as pessoas. De comidas à carros.

2. Repensar a lógica de ter produtos versus usar produtos. Passar a pagar apenas pelo tempo que esse produto forutilizado, num esquema de aluguel mesmo. Aumentar o uso dos produtos durante a sua vida útil. Daqui a pouco vai ser inviável cada um ter uma máquina de lavar, vamos ter lavanderias coletivas. Iniciativas como o site Tem Açúcar? mostram que, cada vez mais, as pessoas estão compartilhando – seja comida, sejam livros, sejam eletrodomésticos.

Repensar sua relação com suas roupas. Plataformas de viagem como o AirBnb e o Couchsurfing podem entrar aqui como exemplo de coletividade. Os próprios sites de financiamento coletivo de campanhas, ideias ou produtos são belos exemplos que as pessoas tem tido de poder de bancar movimentos ou marcas que promovam ideias inovadoras. O pessoal do Cinese fez uma lista com vários movimentos que podemos apoiar, clica aqui pra ver.

Além disso, precisamos não nos deixar enganar com rótulos: quanto mais naturais os produtos, menos embalagens, menos processamento, melhor. Prefira orgânicos, produzidos perto de ti. Faça seus produtos de limpeza usando menos químicos. Cozinhe o que você come.

Mas além de nós, consumidores, abraçarmos essa causa, os produtores precisam entrar nesse barco também. Precisamos criar alternativas que incentivem as pessoas a buscar coisas menos impactantes, mas que sejam fáceis e acessíveis de serem consumidas. Precisamos começar a tentar mudar os hábitos das pessoas, criar métodos que recompensem ações como separar o lixo.

Empreste, use, troque, alugue: desapegue.

Author: Cristal Muniz

Cristal Muniz decidiu em 2015 que iria parar de produzir lixo e por isso criou o blog Um Ano Sem Lixo. Ao longo desses anos já deu várias palestras em escolas, universidades e eventos contando quais são os principais desafios e o que mudou na sua vida para alcançar o objetivo do lixo zero. Um ano virou uma vida e em julho de 2018 publicou o livro Uma vida sem lixo (Editora Alaúde), o primeiro livro sobre como ter uma vida lixo zero do Brasil.

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  • Aqui em Ribeirão Preto – SP, temos um grupo de troca, o escambaria no Facebook. As pessoas tiram fotos de itens que não usa mais e trocam por outros depois de um acordo feito pelos donos das "banquinha" virtuais. Faz 3 anos que não compro roupa, só troco.

  • Eu amei esse texto, é exatamente o que eu e minha irmã conversamos e que não via em canto nenhum. Comecei a repensar em consumo por causa dos animais (produtos que não testem em animais), depois em lojas que usavam trabalho escravo, cheguei ao low poo e algo teu blog, e foi aí que tive uma visão amplificada de tudo isso, que tudo está conectado e a gente tem que repensar em tudo. Muito bom o seu trabalho e ajuda muito a quem está procurando alternativas e não vê saída nesse mundo louco.