Por uma internet que seja menos shopping

Texto sobre foto de Samuel Counil.

A internet é meu país. Eu amo a internet desde que conheci a internet. Eu tenho blog desde que tinha 12 anos, daqueles cheios de gifs de brilhinhos e com layout com algum artista que eu gostava. Aprendi a fazer código html pra ter a Drew Barrymore de fundo do meu bloguinho tem esses tantos anos. Conheci muita gente legal, aprendi muito, expandi meus horizontes e foi por gostar tanto dessas trocas que fiz esse blog aqui. Era só mais um blog, pra contar como ia ser essa ideia de gerar menos lixo e veja só: agora é meu trabalho integral.

Mas tem um tempo que tenho uma irritação gigante da internet e foi lendo um post da Fefe Resende que me dei conta do porque me irrita tanto estar na internet hoje em dia: tudo virou espaço de compra. Se você tá aqui há mais tempo, lembra que (e olha que não quero parecer daquelas que diz que no meu tempo era melhor rs) a gente escolhia estar ou não na internet, pra começo de conversa. Depois a gente tinha o finado (ninguém vai superar) Google Reader pra organizar os feeds de jornais, blogs e sites que a gente gostava de ler. O tumblr era um espaço de manifestar os sentimentos com imagens e gifs cheios de significado nas entrelinhas. Nos blogs a gente contava da vida, do que tava lendo, do que tava ouvindo e fazia um passeio na casa dos amigos deixando comentários.

O facebook, essa grande corporação que controla nossas vidas, transformou primeiro o próprio facebook num lugar de compras inabitável. Quem ainda consegue andar e fazer qualquer coisa por lá? Agora eles jogaram a última pá de cal no instagram, mudando até o botão onde estão os likes pra seção de compras do app.

Eu li e pensei bastante sobre a internet, a economia da atenção, as redes sociais das grandes corporações nesse ano que acabou pra organizar meus incômodos e poder vir aqui dizer: aqui eu vou estar mais daqui pra frente, o instagram vai ser pra repercutir o que eu criar aqui.

Um dos livros que marcou meu ano foi o How To Do Nothing que se você assina minha newsletter ou faz parte da comunidade do catarse, já cansou de ouvir eu falando sobre. Mas, recapitulando, nele a Jenny Odell faz um tratado de como precisamos aprender a sermos menos “produtivos” e fazermos mais coisas que sejam “nada”, como sentar no parque e olhar os pássaros. De vários pontos que ela traz, um dos que mais gosto é o que ela une esse tanto de tempo (e atenção) que gastamos em frente à tela – particularmente a do celular – e o tempo que não “temos” pras lutas que precisamos lutar como as de sustentabilidade e de enfrentamento da crise climática.

Isso posto junto com o que o filósofo Byung-Chul Han fala em Sociedade do Cansaço (outra bíblia minha) de sermos uma sociedade da auto-performance, que não descansa porque tem sempre algo a aprimorar ou a conquistar, que é a sociedade do burnout = já seria motivo suficiente pra buscar outro tipo de experiência na internet. Uma que seja mais ATIVA, de ir atrás, de pesquisar, de consumir o que você QUER e não o que vem pré-selecionado pra ti no seu feed.

Mas aí se você não viu O Dilema Das Redes, comece o ano vendo. Pensar que eu trabalho pras corporações porque gero conteúdo que dá a atenção de vocês pra elas me deixa muito incomodada. E, ainda que a solução não vá acontecer de um em um e sim em regulamentações federais e/ou globais, acho importante tomar algum partido.

E, claro, esse TED maravilhoso do Jared (autor do livro Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes Sociais):

Tudo me incomoda na internet-de-vender-coisas hoje em dia porque o que a gente menos precisa é comprar coisas. Pra ter uma casa mais minimalista, pra gerar menos lixo, pra ser mais sustentável, pra ter uma vida mais adaptada ao enfrentamento da crise climática: nada disso precisa de mais produtos. Inclusive, a gente precisaria parar toda produção por uns bons meses pra re-avaliar o que de fato a gente precisa.

É importante também pensar em quem estamos nos tornando estando tão imersos em redes que são tão visuais, que modificam nossa própria relação com o corpo por causa de filtros “embelezadores”. Recomendo esse texto da Jia Tolentino (ou o livro dela, O Falso Espelho) que ela fala da era do rosto de instagram que não só estamos fazendo mais plásticas mas estamos levando imagens nossas, com filtros dos apps, para as clínicas como exemplo de como queremos ficar. Se o capitalismo trabalha pra nos deixar com a sensação de eterna insatisfação, ele está sendo muito eficaz com não só nossa casa, nossos pertences mas também agora nossas conquistas pessoais e nossa auto-imagem serem, pra sempre, insuficientes (ler: Sociedade do Cansaço).

Eu tô aqui divagando, mas se você quer algumas sugestões de como sobreviver na internet e ter uma relação mais saudável MAS consumindo conteúdo de algumas pessoas:

  • Deixe de seguir ou silencie todas as marcas, especialmente no instagram. Elas só vão te dar gatilho de compra. Faça uma pastinha no “salvos” com as marcas que você gosta pra quando precisar de algo, comprar de alguém legal.
  • Não deixe no seu feed quem te deixa mal, pelo motivo que seja. Hoje já existe a função silenciar em tudo que é rede, não precisa deixar de seguir e gerar clima ruim caso seja sua preocupação. Mas só deixe no seu feed quem te inspira, quem te deixa sentimento de coisa boa – e veja bem, nem sempre fotos lindas causam isso, nem sempre perfis com argumentos importantes causam isso. Algumas pessoas me fazem sentir mal só de ler as postagens, eu prefiro ir atrás e ler quando tiver a fim de ler incômodos (é importante né).
  • Assine o RSS dos blogs que você gosta (como o meu!) e salve no Feedly (ou outro serviço parecido com o Google Reader) pra acompanhar os sites como se fosse um feed.
  • Assine a newsletter das pessoas que você gosta: eu acho o jeito mais legal de receber conteúdo das pessoas, porque se eu assinei eu quero muito ler aquilo ali e se não der pra ler na hora, eu salvo numa pastinha no email pra ler depois.
  • Consuma menos conteúdo na internet: saia de casa, vá pra rua, olhe pro céu, leia algo, converse com alguém, olhe menos pra tela.

Pra me acompanhar é só seguir entrando nesse site, assinar a newsletter pra receber os posts novos por email se você quiser e também aguardar mais episódios do podcast Planeta A (que dá tempo pra conversa render bastante) ou lá no youtube que é bom de conversar enquanto ensino ou falo alguma coisa. E, se quiser chegar mais perto, tem a comunidade do catarse <3 que a gente tem grupo no telegram, clube de leitura com encontros virtuais pra discutir os livros e todo mês mando uma super newsletter cheia de links e pensamentos.

Nos vemos em breve!

Author: Cristal Muniz

Cristal Muniz decidiu em 2015 que iria parar de produzir lixo e por isso criou o blog Um Ano Sem Lixo. Ao longo desses anos já deu várias palestras em escolas, universidades e eventos contando quais são os principais desafios e o que mudou na sua vida para alcançar o objetivo do lixo zero. Um ano virou uma vida e em julho de 2018 publicou o livro Uma vida sem lixo (Editora Alaúde), o primeiro livro sobre como ter uma vida lixo zero do Brasil.

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  • Cristal, que post!
    Você externou tantos pensamentos que também são meus. Já faz um tempo que a internet vem me cansando, e várias coisas mudaram desde que assistir “O dilema das redes”. Tenho estado MUITO menos nas redes, passado bastante tempo longe do celular, buscando atitudes diferentes.
    Sobre o que você disse em relação aos blogs, encontro um desafio, porque quero criar posts para o meu blog, mas tenho gostado cada vez menos de usar o instagram, e para divulgar fica mais complicado. Sigo buscando um equilíbrio para essas questões. No fim das contas, as pessoas vão buscar aquilo que desejam consumir e espero que de um jeito ou de outro encontrem meu espaço e permaneçam.
    Enfim, a toxidade da internet costuma me deixar frustrada ao mesmo tempo que a mesma possui seus benefícios. É uma busca e reflexão por uma relação saudável para com tudo.

    Abraços!
    Poetiza-te

  • Totalmente de acordo! Desde o primeiro parágrafo (também aprendi html pra fazer páginas no Neopets kkkk)
    Vi que alguns perfis estavam me levando a consumir quando comprei um curso que, no fim das contas, não precisava – mas estava tão imersa no conteúdo, no tal do funil, que não deu outra: caí. E sabia o passo a passo da venda, sabe? Aí depurei não só esse que me levou a comprar, como outros do gênero. Fora as outras ações para estar menos em redes sociais.

    Vida longa aos blogs! sdds eternas google reader :'(

  • Oi Cristal!

    Caramba, sinto a mesma coisa. Estou olhando um storie de uma influencer e PÁ, uma publi do nada pra tentar me cativar (sem contar que a cada 3 publicações, seja no feed ou nos stories, entra uma propaganda – já contou? Eu fiz isso esses dias e fiquei assustada).

    Confesso que eu desanimo quase que imediatamente e não volto mais. Aí, tempos depois, me bate a bad porque penso: as pessoas precisam dos publis pra fazer grana e EU preciso vender meus bordados porque senão não fecho a conta no fim do mês (esse lance de trabalhar vendendo na internet é MUITO difícil). Acho que estou ficando bem estranha e ansiosa tentando equilibrar tudo isso.

    Obrigada pelo texto!
    Um beijo!

    • Eu acho que a gente pode vender as coisas de um jeito mais legal, né? Se você vai indicar uma série ou um produto pra uma amiga, você nao vai escrever “ATENCAO OPORTUNIDADE UNICA” kkk. O jeito que a gente fala faz diferença. E acho que as publis e perfis de marcas pequenas nem é o que me incomoda, mas sim como AS PLATAFORMAS se moldaram pra serem praticamente servir só pra comprar e vender, né? Porque é óbvio que a gente compra um bordado lindo de uma pessoa legal depois de ver algumas vezes. Mas virou só isso, zero conversa – até porque como vc falou a gente precisa de dinheiro pra pagar nossos boletos!

  • Amei e me identifiquei muito. Também tive essa jornada parecida: aprendi html pra fazer meus blogs lá no início dos anos 2000 (lembro do webbloger e fuçando nos códigos das tabelas pra mudar de cor “as caixinhas dos posts”, colocava uma imagem de uma doll, gifs hahah). Era legal acompanhar as coisas no nosso tempo: ia lá, abria a página/blog de alguém pra ler com calma. Timeline dá impressão que joga tudo na sua cara, que tá todo mundo gritando tipo aquelas filmagens de bolsa de ações.
    Adorei a proposta e vou me inspirar por aqui também, talvez produzir mais conteúdo pro meu próprio blog, ler com mais calma aqueles que eu gosto de acompanhar como o seu e passar menos tempo nesse shopping virtual que virou as redes sociais. Um ótimo 2021 pra você <3

  • Adorei essa reflexão, Cristal! De fato as redes sociais se tornaram um grande shopping… Sinto falta da internet que a gente usava pra se distrair e se divertir. Esses dias achei um grupo mto engraçado no facebook que se chama “grupo para fingir que estamos no orkut e dou altas risadas por lá… me lembra um tempo em que todo mundo não queria ser perfeito e incrível como hoje em dia.

  • Parabéns por ter escrito esse conteúdo! UAL
    Quantas vezes eu ja quis comprar (algumas vezes comprei) algo que me foi sugerido. E a gente se sente meio “WHATTT? Como eles sabiam que eu precisava disso” A verdade é que eu não precisava, fui persuadida.
    QUE INCRIVEL CRISTAL!

  • Disse tudo! Fundamental este seu.post! E ainda vem cheio de sugestões para quem pensa como vc e deseja fazer essa mudança. Gratidão!

  • Excelente texto, Cristal. Não sei se gostaria de produzir conteúdo em outros lugares, mas penso que plataformas como Pixelfed, Peertube e Mastodon podem servir como alternativas perfeitamente funcionais para os serviços do Instagram, YouTube, Facebook e Twitter, mas sem os problemas que você levantou. Nesse texto da Logan Marie Glitterbomb, ela fala de alternativas para outros serviços web e sobre como vale a pena pesquisar sobre esse tipo de coisa também: https://c4ss.org/content/53608

    • Ai, Diogo, eu mal consigo fazer pras que faço!!! Meu foco esse ano é fazer menos e melhor, especialmente aqui no site. Mas vou ver o link que vc recomendou! 🙂

  • Não sabia que precisava ler esse post até ler, a gente vai se deixando levar pelos brilhos purpurinas da internet sem perceber que estamos sucumbindo as vezes a nada. Li agora pouco um artigo falando sobre faxina virtual e o seu só aumentou ainda mais essa vontade, de aproveitar o coomeço do ano para novos habitos, novas expectativas, para seguir e acompanhar quem realmente agrega e soma com a gente.
    Obrigada por isso, por compartilhar conosco sua visão, me ajudou muito pode ter certeza, sou nova por aqui e já me apaixonei, vou acompanhar.

  • Cristal! Obrigada por ser um respiro nessa internet (: Eu trabalho com redes sociais e às vezes fico nossa, o que eu estou fazendo aqui??? hahaha. Um outro ponto que também penso, como trabalho com redes sociais de uma pequena empresa, é como essas redes são cada vez mais cruéis com quem precisa delas pra divulgar seu trabalho. Porque o algoritmo entrega cada vez menos e a gente é obrigado a produzir cada vez mais, vivendo praticamente em função das redes. É muito doido isso, não sei onde vai parar.

    Mas concordo com tudo, o livro Sociedade do Cansaço me fez refletir muito também, o documentário é ótimo e estou doida pra ler esse livro How To Do Nothing parece incrível <3 E sim muuuitas saudades da internet dos blogs e quando as pessoas estavam aqui porque queriam estar e postavam sobre sua vida sem maiores pretensões, sem ser tudo calculado pra se vender ou vender alguma coisa. Tô me sentindo bem saudosista hahah

    Mas enfim, obrigada mesmo, são espaços como esse que fazem essa internet valer a pena e ainda ser um terreno fértil pra boas ideias! <3

    • Obrigada pelo comentário, Andy! <3

      Pois é, eu nem citei os algoritmos, mas eles são muito cruéis porque ao invés da gente ver quem a gente SEGUE ele mostra oq ACHA que é melhor pra gente. Não só a gente fica numa bolha cada vez maior, quanto também tem essa dificuldade e neura de postar muito pra conseguir ser minimamente visto.

  • oi, Cristral 🙂
    -Acho super importante essa reflexão de como usar a internet de uma forma mais saudável.

    -mas falar pra sair de casa e ir pra rua é um conselho complicado por causa da pandemia. Poderia indicar coisas para fazer em casa também, como: cozinhar, pintar, ler, jogar…

    ps: adorei o post <3

    • É só sair de máscara e ao ar livre, caminhar, andar de bike, ir no parque. Nada disso tem risco alto de transmissão de covid. 😉

  • Eu amo que venho aqui pra me inspirar e saio com indicação de 3 livros, 1 TED e um sentimento delicioso de me sentir compreendida. Eu amo a forma como você enxerga o mundo! Me bateu uma nostalgia danada dos layouts com Hilary Duff e neve no cursor. Me bateu uma saudade enorme do tempo em que, como você bem colocou, a gente escolhia estar ou não na internet. Obrigada por essa reflexão e pelo trabalho incrível que você faz. Acho que nunca comentei por aqui, por perder o hábito, pela vergonha ou pela pressa, mas estou finalmente resolvendo isso. hehe

  • ei Cristal! cheguei aqui através de um post de outro blog que acompanho (o Desancorando, da Maki :), e o seu texto me trouxe consolo e clareza; gratidão! Finalmente entendi o que me incomoda na internet (em geral) e nas redes sociais especificamente: estamos aqui não mais para nos encontrar uns com os outros numa conexão autêntica e cuidadosa, mas para consumir. E como consumimos! Corpos distorcidos, ideais de felicidade, conteúdo num volume impossível de acompanhar e muito mais … sua escrita reverberou em mim, gratidão pela partilha! sigamos no esforço de fazer escolhas mais intencionais e alinhadas com quem somos e queremos ser

  • Nossa, que necessário e importante esse post. Você me fez voltar no tempo…. Quando consumir informação na internet era apenas isso, e não vender sua atenção para os algoritmos das redes. Confesso que me deu saudade.
    Hoje a informação está mais disponível ainda, mais acessível, mas também mais superficial. O que gera até uma espécie de “exaustão virtual”.
    Obrigada pelas referências no texto, pretendo ir atrás de todas.