Como fazer um casamento lixo zero

* Este é um post convidado, escrito pela Sabina DM

Tenho me inspirado no estilo de vida Lixo Zero desde 2016, através da Cristal e também da Laura Singer, Anne-Marie Bonneau e Bea Johnson. Ainda não me tornei completamente lixo zero (me considero “Nível Intermediário”) mas quis organizar o meu casamento este ano para ser com o mínimo de impacto ambiental possível. Isso incluiu não só resíduos sólidos não-recicláveis mas também fonte de energia elétrica, origem dos alimentos, consumo consciente, apoio a artistas locais, enfim, vários aspectos. Se fosse só eu nessa jornada teria sido bem mais difícil, mas felizmente contei com a ajuda da minha irmã, primos e equipe do local, que entraram todos no espírito!

A festa em si foi uma celebração íntima, para 50 pessoas que realizamos no dia mais frio do ano de 2019, perto de Curitiba (Paraná). Vou contar para vocês como esta celebração resultou em menos de 3 kg de resíduo não-reciclável – quem sabe assim eu possa inspirar outras pessoas a realizarem suas festas com mínimo impacto negativo também!

Como fizemos isso?

O Convite

Em primeiro lugar, eu senti que era importante convidar as pessoas e avisar que esta seria uma festa diferente. Fiz nossos convites usando um aplicativo (Greetings Island) e convidei todo mundo pessoalmente, pelo Whatsapp ou pelo Facebook Messenger, com texto personalizado para cada um. Eu não quis gerar lixo com convites impressos porque para mim isso não é necessário (acho as memórias do dia muito mais válidas!) e já evitamos um lixo aí.

Depois dos convites digitais, eu fiz um site (Wixsites) explicando tudo certinho (inspirada na ideia de uma amiga). As pessoas teriam que estar preparadas para algumas bizarrices, como frio, banheiro seco, comida vegetariana, cerimônia não-religiosa, a noiva não estaria necessariamente de branco, etc… E, é claro, dicas sobre como não embalar os presentes 😉 

TOTAL DE LIXO: 0kg

O Local

A festa aconteceu em um local próxima a Curitiba/PR, uma comunidade espiritual, permacultural, com produção orgânica, que tem uma equipe incrível de eventos – a Comunidade Nhanderu Ete. Só o lugar e seus queridos habitantes já ajudou muito a festa a ter baixo impacto: na área da celebração, em meio à Mata Atlântica, eles nos disponibilizaram um salão de eventos construído com técnicas de superadobe (uma forma de barro) e teto verde, com placas solares que abasteceram toda a energia elétrica necessária na festa (ainda bem que fez bastante sol no dia!).

Ao lado deste salão, um banheiro seco com duas cabines, também construído com técnicas de permacultura. Os convidados fizeram suas necessidades fisiológicas ali e neste momento que escrevo o texto, o material já deve estar se tornando adubo para a floresta da Nhanderu! Talvez este tenha sido o aspecto mais impactante para os convidados, mas nós já tínhamos prevenido todos pelo site do casamento. 

TOTAL DE LIXO: 0kg 

O transporte

Como o local era distante de onde estavam acomodados os convidados, nós organizamos uma empresa de transportes para levar e buscar todo mundo. Custou 7% do valor da festa, mas acho que valeu muito a pena. A ideia era minimizar a poluição (assim evitávamos que cada pessoa fosse no seu carro) e possibilidades de acidentes de trânsito na volta, já que com certeza muitos iam beber.

TOTAL DE LIXO: 0kg

DICA: se conseguir transporte movido a etanol ou energia elétrica, por exemplo, melhor ainda!

O traje

Apesar de gostar de moda, eu priorizo o consumo consciente. Então, pedi para os convidados que não comprassem peças somente para uso no dia do casamento. Deixei claro que para nós era importante que todos se sentissem confortáveis. Dei a dica que a festa seria no estilo boho, mas também sugeri que usassem seus vestidos esquecidos, comprassem de segunda mão ou pegassem emprestado.

Vestido da noiva

Meu vestido foi algo especial para mim porque era a noiva (óbvio?) e encontrei um muito especial em um site de artesãos (Etsy). Ele foi feito por uma costureira ucraniana, com as minhas medidas, e foi enviado por correio somente com papel kraft e papelão! <3 Minha comunicação com a costureira foi muito boa, tudo acontecendo certinho para evitar o plástico, mas ao chegar no Brasil os Correios acharam algum problema com o pacote e resolveram ensacar a caixa com duas sacolas de lixo pretas!! :””'(((

Foi o primeiro lixo produzido para a festa do casamento! Na hora me desanimei muito, já pensando que não conseguiria nunca fazer uma festa lixo zero de verdade. Mas minha querida família me apoiou e logo determinamos a nova meta: minimizar ao máximo o não-reciclável. A vida é assim, não podemos desistir!

DICA: encomendar objetos que tenham que viajar por longas distâncias não é a opção mais sustentável. Eu fiz isso porque na época estava trabalhando em uma fazenda no interior da Bahia e não teria como escolher/encomendar um vestido a tempo com uma costureira local – optei então por fazer com uma costureira pela internet. Se você tiver tempo, sugiro optar por alugar um traje ou comprar um de segunda mão na região onde você está mesmo. Foi o que meu companheiro fez, com acréscimo de dois acessórios produzidos especialmente para ele por artesãs Ashaninka.

Maquiagem

Infelizmente maquiagens sem plástico estavam pouco acessíveis para mim no momento, então optei por uma marca que recebe embalagens retornadas e não faz teste em animais (Quem Disse Berenice). 

DICA: Se você tem mais recurso, vá de make vegana lixo zero 😉

TOTAL DE LIXO: 2 sacolas de lixo pretas :'(

A decoração

O desenho do ambiente saiu de dentro da minha cabeça, mas para ser concretizado neste plano material sem produzir plástico foi preciso muito rebolado! Os itens principais eu consegui sem embalagem nenhuma: metros de voal (“sacolinha não, obrigada”), metros de corda de algodão, metros de sisal, flores mosquitinho (“não, moço, só a flor mesmo, obrigada, pode usar a embalagem de buquê para outros clientes”), discos de madeira (achei baratinho na feira de artesanato).

As velas e um mural de fotos eu pedi por correio, expressamente sem plástico, então vieram nas suas caixas de papelão, tranquilo. Além disso, reutilizamos potinhos de vidro de conservas para pendurar velas no alto e sacos de papel para as velas no chão, iluminando os caminhos. O arco central do salão, que segurava os tecidos no alto, não existia e teve que ser feito do zero: conversando com nossos primos artesãos, eles fizeram uma peça incrível de cipó! Quer coisa mais linda?!

Dificuldades: comprei várias luzinhas LED que vieram em caixinhas de plástico (PVC acetato 🙁 um dos piores que existem) mas elas estão sendo utilizadas para guardar, então salvas do lixão (por enquanto); outra dificuldade foi encontrar prendedores de fotos para o mural – achei uns de madeira mas vieram em uma sacolinha de plástico. A maior dificuldade de todas: as fitas. Rodei a cidade atrás de fitas de cetim que não vinham ensacadas no plástico, que desse para para comprar no metro, mas em vão. Aí foi um tanto de plástico….

DICA: evite fitas de cetim (ou até inventarem uma sem embalagem plástica!).

TOTAL DE LIXO: 1 sacolinha dos prendedores e umas 10 sacolinhas de fitas de cetim.

As atividades

Queríamos muito que a nossa festa fosse divertida, então organizamos uns jogos para animar o pessoal! Fizemos as cartelas impressas em papel (na gráfica, “sem sacolinha, obrigada”) e entregamos lápis e borrachas para cada um dos convidados (lápis em caixas de papel da Faber Castell e borrachas da Mercur, infelizmente em um potinho de plástico, mas com tampinha, que está sendo reutilizado, ufa). Depois da diversão geral, os papéis foram picotados e foram para a composteira do Banheiro Seco (um pouco mais de carbono na mistura, para equilibrar!) e os 50 lápis e borrachas foram doados para a escolinha municipal onde trabalha nossa tia. Para harmonizar a festa, chamamos 2 músicos de Curitiba que tornaram o ambiente ainda mais especial!

TOTAL DE LIXO: 0kg

Comida e cozinha

A parte dos alimentos foi bem tranquila, pois a equipe da Nhanderu super topou a ideia! Nós fizemos vegetariano e orgânico, com produtos da região, em especial muito pinhão, já que era época. Muitos alimentos foram comprados da própria rede de produtores orgânicos Ecovida, da qual a comunidade faz parte, inclusive os sucos e chás. É claro que a refeição fica um pouco mais cara com orgânicos e o menu vai de acordo com os produtos da época, mas achamos tudo muito válido! A equipe também entrou na onda do lixo zero e comemorávamos juntos quando conseguíamos um item ou outro sem embalagens plásticas! Foi lindo.

De sobremesa, nós levamos um bolo feito pela minha irmãzinha e 3 cheesecakes, encomendados em uma confeitaria que topou nosso desafio sem plástico (a Poá – eles até nos emprestaram um pote para levar a cobertura das tortas, que retornamos no dia seguinte!). De docinhos, oferecemos bombons de chocolate sem embalagens que eu trouxe da Bahia na minha viagem (chocolates crus da Tiuá, que topou produzir lixo zero!). Uma querida amiga minha costurou nada menos do que 45 guardanapos de pano (panos no armarinho comprados sem sacola, sim!, mas não pudemos evitar o plástico das agulhas e linha de costura…).

DICA: converse com seus fornecedores de comida – é mais fácil do que você imagina!

TOTAL DE LIXO:  algo próximo de zero (embalagens como sal, óleo, coisas assim) e da costura.

Bebidas alcólicas

Esse foi o mais desafiador de todos os aspectos porque nos restava bem pouco tempo e dinheiro, já nos aproximando do dia da festa. Parecia bem claro para mim: vinho em garrafas e cerveja em lata.

A cerveja em lata foi fácil – meu companheiro, na lógica da festa, escolheu uma cerveja daqui da região, que nós gostamos e que vinha embalada em caixa de papelão (a EisenBahn, que é de Santa Catarina). Mas na correria acabamos pegando 2 barris da Heineken também…que descobrimos depois que não é reciclável 🙁

E o vinho em garrafas, certo? Parecia fácil, mas com o dinheiro apertado e o dia do casamento chegando, eu tive que aproveitar uma promoção em um mercado, de leve 3 pague 2 e o pacote vinha em plástico :”((( gente, que tristeza. Totalmente desnecessário. Eu cheguei a negociar com o pessoal da loja, mas levaria uns dias para chegar e eu não tinha esses dias.

DICA: Se tiver recurso ou for fazer festa para mais de 70 pessoas, vale a pena alugar um barril de chopp, de preferência de uma marca local que você goste. E compre com tempo (sempre).

TOTAL DE LIXO: 2 barris de chopp e 9 pacotes de plástico :”'(((

EXTRAS: 

Na festa também teve fogos de artifício (com barulho reduzido para minimizar o espanto dos bichos da mata – todo em papelão e pólvora), fogueira e plantio de uma muda de pitangueira. O buquê quem fez foi uma amiga artesã dos aromas (sob encomenda, lixo zero). As jóias foram um presente do meu pai que trouxe em uma viagem recente (embalada em uma sacola de papel da própria loja,  obrigada!). A louça foi toda alugada, exceto por duas canecas de cerâmica que foram feitas pela minha mãe. As lembrancinhas foram plantinhas suculentas em vasinhos de cerâmica. O arroz que o povo jogou no final foi comprado a granel no saquinho de pano…. E para combater o frio, acendemos fogueira, alugamos um aquecedor a gás e oferecemos cobertores (sim!).

E o povo todo se divertiu muito, apesar do frio.

No dia seguinte, enquanto eu e o grupo arrumávamos o salão pós-festa e comíamos os últimos pinhões da noite anterior, vi 3 sacos grandes de papel no canto do salão. Me aproximei e percebi que a equipe da comunidade já tinha começado a separar o lixo produzido. Uma sacola com  as latinhas de cerveja, bem cheia. Uma sacola com alguns papéis. E na terceira sacola, no fundinho, quase vazia, algumas embalagens de plástico. Nessa última, ainda tinha que colocar as 20 anteriores e os barris de chopp… mas também quis visualizar todo o lixo evitado durante cada etapa do processo. Foi muita coisa! Para uma festa de casamento com 50 pessoas, com todo a pompa que nossa sociedade costuma fazer, menos de 1 saco de lixo como resíduo não-reciclável para mim, já foi quase Lixo Zero 🙂

Ofereço então humildemente, nossa experiência, que relatei aqui, como fonte de inspiração para vocês, para nós! Que sigamos celebrando as coisas boas da vida, como fizemos enquanto seres humanos durante a maior parte da nossa existência neste planeta – pegando leve!

Author: Sabina DM

Sabina é Engenheira Florestal e Chocolateira. Caminhando no estilo de vida lixo zero desde 2017, já deu workshops sobre o assunto, planejou seu casamento low waste e agora fundou uma marca de chocolates bean to bar lixo zero.

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  • Como não amar um post desses? Eu com meu companheiro estávamos pensando justamente nessa possibilidade, que seria impossível porque sempre tem uma coisinha. Mas com a experiências da Sabina, podemos adaptá-las à nossa realidade (financeira hehe) pra conseguir também!