O documentário Cowspiracy ou por que não dá mais pra continuar comendo carne

Fazia um tempão que eu queria ver o documentário Cowspiracy, mas ficava sempre com um pouco de medo de ser muito chocante. Eu sou super sensível a filmes e, por isso, não gosto muito de ver esses docs mais realidade real. Eu já sei o que vai dizer, mas sempre que eu vejo por 1:30 com imagens, fica ainda pior. Tudo isso pra dizer que foi um pouco o caso do Cowspiracy. Mas não porque tiveram muitas imagens de maus tratos aos animais, mas sim porque a realidade dói demais pra quem se importa.

Eu vou resumir o mote principal do documentário: a indústria da carne é a mais poluidora, maior emissora de gases de efeito estufa, maior responsável pelo desmatamento de florestas nativas como a Amazônia, maior consumidora de água do mundo – além de ser cruel com os bichos. Não dá, simplesmente não dá pra ser ambientalista e continuar comendo carnes e derivados animais sem lembrar que tudo isso causa muito (o maior) impacto no planeta. Na verdade, simplesmente não dá pra gente continuar comendo carne mesmo. Ambientalista ou não.

Logo no começo do documentário, em um momento que você espera que o Kip, apresentador, mostre como andar de bike, trocar as lâmpadas de casa e separar o lixo vá melhorar o mundo e seja, digamos, suficiente: você dá com a cara na porta. Ou com os burros n’água. Ele apresenta um relatório das Nações Unidas de 2006 (!), onde conclui-se que as emissões de gases que pioram o efeito estufa geradas na criação de gado para corte são maiores que todo o setor de transportes (ou seja: carros, aviões, barcos, trens do mundo todo).

1 hambúrguer = 3 mil litros de água = 2 meses de banho

Você até pensa: não, isso é mentira. E todo o combustível fóssil? O petróleo, os gases, o carvão mineral, os carros do mundo produzem MENOS gases do efeito estufa que CRIAÇÃO DE GADO? Como que a gente simplesmente não sabe disso?

A partir daí o documentário entra num looping em mostrar como nenhuma das ONGs de preservação ambiental que ele entra em contato (como Greenpeace, Oceana e outras locais) 1) sequer sabe os dados sobre criação de animais e como isso é nocivo pro planeta 2) não tem nenhuma informação sobre isso nos seus sites 3) não quer falar / gravar entrevista com o Kip sobre o assunto 4) é evasivo e passa vergonha falando muitas besteiras como se eles escolhessem um problema maior (normalmente combustíveis fósseis) sem contar com esses estudos da ONU que são apresentados pelos produtores do doc.

É bastante triste e revoltante como essas ONGs simplesmente IGNORAM que o maior poluidor do planeta seja a criação de animais. Achei essa parte tão triste que fiquei com a impressão que podia ser mais curta e a parte do final com soluções, mais longa, explicativa e com exemplos mais bem elaborados como é o Demain (que já falei aqui). Mas é importante pra gente perceber como existe certa incoerência em algumas questões nessas organizações.

A conclusão é bem óbvia: a criação de animais pra consumo humano e a pesca industrial está matando nosso planeta. Florestas nativas como a nossa floresta amazônica estão sendo desmatadas pra plantação de milho e soja quase que exclusivamente pra fazer ração pra vacas, porcos, galinhas e até peixes criados em cativeiro. São usados litros e mais litros de água pro gado beber, já que são animais gigantes. O gás metano liberado nos gases dos bichos é mais tóxico que o CO2 e é um dos responsáveis pelo efeito estufa e o aquecimento gloval estar piorando tão rapidamente. Os dejetos deles são despejados sem tratamento adequado, poluindo rios e em algumas regiões, matando e desertificando regiões oceânicas. A pesca mata muitas espécies além dos peixes, como tartarugas, golfinhos, tubarões. Além de serem pescados muitos milhões de peixes a mais do que a capacidade reprodutiva natural desses animais. Espécies estão sendo extintas simplesmente pela moda de se usar aquele peixe. Isso que estamos falando só sobre a questão do impacto ambiental, não estou nem entrando nos méritos de maus tratos, respeito aos animais, saúde, nutrição etc (pra isso tem outros documentários como o A Carne é Fraca e What The Health, esse segundo também produzido pelo Kip).

O jeito? É excluir alimentos de origem animal da nossa dieta. O máximo possível. Em um momento o entrevistador pergunta sobre os movimentos como Segunda Sem Carne, que promove que pelo menos na segunda você deixe de comer carne, o entrevistado responde que isso só significa que você está deixando de fazer o certo em 1 dia da semana, nos outros 6 você segue fazendo o errado (pro planeta, pra nós). Em outro, o Michael Pollan responde que ele acha que pra ser sustentável o máximo que uma pessoa poderia consumir de produtos de origem animal é 60g por semana (entre carnes, laticínios, ovos, tudo).

Veja bem, essa é a conclusão que a maioria das pessoas têm ao ver esse documentário e por isso eu recomendo demais que você o veja. É chocante demais (e importante demais também!) que a gente saiba disso, antes de mais nada. Sou defensora da informação acima de tudo. Se você quiser continuar comendo é uma escolha sua, jamais vou chegar aí na sua casa, sentar na sua mesa e te obrigar a não comer x ou y. Mas você entendeu que o buraco é bem lá embaixo, né? Então esse pode ser um ponto de partida muito bom pra você, no mínimo, reduzir pela metade o que você come de origem animal.

Também sei por experiência própria que é importante DEMAIS se respeitar. Eu sou ovolactovegetariana, o que significa que ainda como produtos lácteos e ovos. Quase nada em casa, mas sim fora dela porque muitas vezes não tem versão vegana – que é a que eu sempre prefiro. Mas eu parei de comer carne aos poucos: primeiro parei a carne vermelha e porco, depois o frango e por fim os peixes e frutos do mar. Isso ao longe de 2 anos, se não me engano. Os laticínios eu cortei pra caramba porque percebi que me fazem muito mal do ponto de vista da digestão (e pra pele também!) e porque tudo vem embalado, então evito as embalagens. Os ovos eu quase nunca como, sempre prefiro os orgânicos mas vou parar de comer esses também. Se comer, só os que as galinhas do meu pai botam e não chocam (tem umas que abandonam os ovos por aí, elas vivem livres no terreno).
Se respeite, vá aos poucos, mas vá. Quanto mais a gente deixar de comer carne, melhor.

Depois de ver esse documentário, fiquei muito triste e muitos dias processando tudo. Tô decidida a virar vegana ou o mais próximo disso possível. E também tô decidida a ter mais conteúdos sobre isso aqui no blog e nas redes sociais do UASL porque é tão importante, sou um canal de comunicação tanto quanto as ONGs, é meu papel lutar por essa causa também. Então esperem dicas de substituições de comidas, dicas de almoços, dicas pra substituir as coisas mais difíceis como queijos, receitas e o que eu puder fazer pra incentivar vocês a cortarem os bichinhos do prato. 🙂

▶ O próximo texto sobre um documentário vai ser sobre o What The Health, que é dos mesmos produtores do Cowspiracy e fala sobre os efeitos de comer produtos de origem animal na nossa saúde. O texto deve chegar aqui dia 08 de agosto! 🙂 Pra ler os outros textos sobre documentários e livros sobre sustentabilidade, clique aqui.

Pra ler mais:

+ Lista de fatos sobre a criação de gado do filme Cowspiracy organizado em uma página
+ Machismo E Consumo De Animais: Naturalização E Dificuldades De Romper Com Os Códigos Sociais
+ 6 Livros Para Quem Está Querendo Veganismo No Prato Mas Não Sabe O Que Cozinhar

Author: Cristal Muniz

Cristal Muniz decidiu em 2015 que iria parar de produzir lixo e por isso criou o blog Um Ano Sem Lixo. Ao longo desses anos já deu várias palestras em escolas, universidades e eventos contando quais são os principais desafios e o que mudou na sua vida para alcançar o objetivo do lixo zero. Um ano virou uma vida e em julho de 2018 publicou o livro Uma vida sem lixo (Editora Alaúde), o primeiro livro sobre como ter uma vida lixo zero do Brasil.

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  • Adorei o texto… Na verdade acho o movimento de segunda sem carne importante sim pois ainda existe um mito de que é muito sofrido passar um dia inteiro sem comer nada de origem animal… vejo como uma porta de entrada para desmistificar, para acabar com a frase "mas se não comer carne vou comer o que?"… Não vi o documentário ainda mas fiquei animada em ver… entrou para a minha lista!

  • Parabéns pelo excelente texto. Confesso que não assisti o documentário porque sei que vou literalmente "ter um treco". Estou há algum tempo no processo de redução de carne (não consegui parar de vez) e já posso dizer que reduzi em 50% o meu consumo. Amei o que escreveu: "Se respeite, vá aos poucos, mas vá. Quanto mais a gente deixar de comer carne, melhor". O importante é começar e ter um foco, um objetivo, mas o mais difícil é ser respeitada pela decisão de ir aos poucos ao invés de decidir parar de uma só vez. Fico doente quando leio notícias de desmatamentos para aumentar a produção de gado… Dói até a alma. Super apoio teu projeto de escrever mais sobre o tema (e vou divulgar esse trabalho). Quanto mais pessoas estiverem falando/escrevendo sobre isso, mais pessoas vão ouvir/ler e se conscientizar. De novo, parabéns pelo texto.

  • Oi cristal, você conhece o crudiveganismo ou alimentação viva? Pra mim é a opção alimentar mais consciente e equilibrada com tudo. É cura e ascensão. Um portal para muitos portais. Desapegue! Beijos.

  • Amei o texto, ja assisti o documentario e assim como voce, sou ovolactovegetariana. Entao, em casa nao consumo laticinios e carnes, ovos soh os criados soltos tbm, mas mesmo assim quero comecar a comprar de pessoas certas. E ainda tenho problema em ser totalmente vegana pq em alguns lugares ainda nao tem a opcao vegana.

    Forca, luz e esperanca para que esse quadro mude 🙂

  • Cristal, adorei seu texto e como você abordou o tema! Eu sou ovolactovegetariana há um ano e meio e também fui deixando de comer pouco a pouco, como você, com um intervalo de 1 ano entre cada corte. Eu sempre achei fascinante a ideia de ser vegetariana, mas achava que "não era pra mim" (como tanta gente diz). Eventualmente eu vi que não conseguia mais comer carne vermelha sem pensar nos impactos horrendos que ela causa no meio ambiente, pelo efeito estufa, pelo desmatamento, pelo gasto de água, pela monocultura de soja. Depois tive que deixar o frango porque a ideia da criação de galinhas em granjas é terrível demais. Achei que nunca ia deixar os frutos do mar, ainda mais eu nordestina e praieira, tão louca por eles… Mas também chegou um momento em que me senti 100% pronta. No final, virar vegetariana foi libertador, me sinto responsável e consciente quando me alimento, e sinto que transmito uma mensagem aos outros de que é possível, saudável, e nossa opção de sustentabilidade! Eu ainda tenho muita dificuldade em lidar com as pessoas pouco tolerantes, que vêm com argumentos tchongos e idiotas. Eu fico tão desestabilizada com essas pessoas que sequer querem cogitar o impacto ambiental daquilo que consumem que não consigo responder, ou fico com medo de deixar as pessoas desconfortáveis… Mas gostaria de no futuro ser mais ativista daquilo que acredito, porque sou bem péssima nisso! hahahaha Beijinhos, e vou adorar suas dicas veg daqui pra frente! <3

  • Oi Cristal! Sou nova por aqui e estou me deliciando com seus textos e compartilhamentos! Quanta sincronia eu me deparar com você agora, que recentemente me decidi também em parar com a alimentação de origem animal… Meu marido assistiu há pouco mais de duas semanas esses docs e o good choices tbm. Ele trabalha com panificação artesanal e gastronomia, e ficou bastante impactado. Conversando, juntos decidimos ir cortando sobretudo os derivados do leite, pq carne já não comemos com frequência, daí é uma questão de escolha mesmo a partir de agora. Ele decidiu comprar o livro do T Colin Campbell, "Whole", e agora está decidido a adquirir o "China Study". Temos um bebê de 18 meses e ele é nossa grande motivação! A verdade é que não dá mais pra fazer vista grossa, temos essa vida, o aqui e agora, para mudar e seu blog chegou em boa hora e eu já estou compartilhando com várias pessoas! Gratidão pela sua generosidade! Juntxs vamos mais longe! Abraços e afetos procê 😘

  • Gostei muito do texto, principalmente a parte que vc fala para se respeitar e ir aos poucos, no seu tempo. Muita gente desiste e acha que isso de não comer carne "não é pra ela", como alguém falou em cima pq se cobra muito. É um hábito que a maioria de nós tem desde que nasceu, nossa cultura é carnívora e é difícil largar assim de uma hora pra outra. Eu assiati o what the health e gostei muito. Assim como ele, o Forks over Knives e o Food Matters me ajudaram na decisão de mudar minha alimentação, mas, curiosamente, o que me fez bater o martelo foi o filme Okja. Já estou há um mês sem carne vermelha, porco,frango, leite e derivados e agora estou aos poucos cortando os frutos do mar. No futuro, quero seguir uma dieta vegana. É difícil, mas devagarzinho a gente chega lá.

  • Oi,
    um comentário sobre um trecho do seu texto, que me pareceu que tem outra intenção. Na frase "[…] segunda você deixe de comer carne, o entrevistado responde que isso só significa que você está deixando de fazer o certo em 1 dia da semana […]" não era pra ser um pouco diferente? Achei que ficou contrário ao que você pretendia.

  • Não é isso mesmo. O entrevistado fala que só deixar de comer carne um dia da semana não resolve, isso só significa que 1 em cada 7 dias você faz o mais certo.

  • Sim, eu entendi nesse sentido. Mas na frase está "você está deixando de fazer o certo em 1 dia da semana", que é o contrário do que o entrevistado está defendendo, né? Enfim, só uma observação. Obrigada 🙂

  • Eu vi o documentário e confesso que fico incomodada com o tom (muitas vezes) quase terrorista que o produtor costuma usar nas suas produções. Com certeza, acredito que para o bem de nossa saúde e do planeta, precisamos repensar muitas coisas em nossos hábitos diários, mas como moradora do interior de São Paulo, confesso que não tenho acesso à muitas opções viáveis (e baratas) de alimentação alternativa à carne, infelizmente.
    Fica um link para você dar uma olhada – http://oquevocefariasesoubesse.blogspot.com.br/2016/10/sobre-os-graves-erros-de-cowspiracy.html

    Bj e fk c Deus.
    Nana
    http://procurandoamigosvirtuais.blogspot.com

  • O filme é muito impactante mesmo. Já fazia muito tempo que pensava em reduzir drasticamente o consumo de carne, por questões sustentáveis e pelo maltrato aos animais. Sempre penso que eu se tivesse que matar um animal pra comer, não faria, e que como porque se tornou muito fácil ir até o açougue e ter alguém que faça isso por você. E descobri que é simples sim mudar a alimentação, mesmo morando no interior de SP, e pasme: não é caro! Legumes, verduras, oleaginosas e leguminosas ajudam muito! Adoro seu blog! Bjs