Por que não é seguro fazer uma receita de protetor solar caseiro e opções mais naturais

Muita gente sempre me pede indicação de um protetor solar natural, que não gere lixo, que seja diferente desses do mercado. Eu nunca soube responder porque via receitas pela internet sem nenhuma explicação científica ou nenhum estudo mais aprofundado sobre. Como não sou farmacêutica, só acredito em coisas depois de pesquisar bastante em fonte confiáveis sempre que possível. Ainda mais sobre um assunto tão importante que envolve câncer de pele, queimaduras graves como protetores solares. Resolvi fazer esse post até pra eu pesquisar mais sobre e porque já discuti isso bastante em alguns grupos com a Ane, do Cosmetologia Orgânica (que é farmacêutica) e queria deixar um alerta aqui.

Sou entusiasta total de fazer receitas de cosméticos naturais em casa, trocar produtos industrializados por opções mais naturais, e a ideia de fazer um protetor solar natural com poucos ingredientes é super tentadora, eu sei. Mas depois de pesquisar e discutir um pouco, vi que existem muitos motivos pelos quais isso não é recomendado e resolvi fazer esse post ENORME que explica tudo o que é possível sobre protetores solares, até porque muita gente entende errado muito sobre isso. Então prepara um chá e senta pra ler porque tem muita informação e é legal que você leia tudo com atenção. Depois, você é livre pra tomar a decisão que quiser, como sempre. 🙂

O que é um protetor solar

Pra começo de conversa, vamos falar de o que é um protetor solar. A gente sabe que ele funciona para bloquear os raios solares e proteger a pele do câncer de pele, de queimaduras e do envelhecimento precoce. Um protetor solar deve, de acordo com a Sociedade Brasileira de Dermatologia, “ter amplo espectro, ou seja, ter boa absorção dos raios UVA e UVB, não ser irritante, ter certa resistência à água, e não manchar a roupa.” (1) A maior parte dos protetores solares que existem no mercado são protetores solares químicos. Eles funcionam com substâncias absorvendo a radiação e só funcionam após alguns minutos, depois da pele absorver essas substâncias. Já os protetores solares físicos criam uma camada física a partir de substâncias como o óxido de zinco e o dióxido de titânio que impedem que os raios solares cheguem na pele, refletindo-os. Alguns protetores solares unem as tecnologias químicas e físicas pra conseguir uma proteção eficaz de amplo espectro.

O fator de proteção solar (FPS)

O fator de proteção solar é medido pela capacidade de um protetor solar de prevenir que os raios UV causem algum dano para a pele. Demora cerca de 20 minutos para a pele desprotegida começar a ficar vermelha, então usar um protetor solar com FPS 15 teoricamente previne isso 15 vezes mais – cerca de 5 horas.

De acordo com a Skin Cancer Foundation (4):

Outro jeito de olhar em termos de percentagem: FPS 15 filtra cerca de 93% dos raios UVB. FPS 30 protege de cerca de 97% dos raios e FPS 50, 98%. Parecem diferenças irrisórias, mas se você é sensível à luz ou tem histórico de câncer, esses percentuais extra fazem bastante diferença. E, como você pode ver, nenhum protetor solar pode bloquear todos os raios UV. 

Mas existem problemas com o sistema de proteção FPS: Primeiro, nenhum protetor solar, independente do fator, é esperado a continuar efetivo por mais de duas horas sem reaplicação. Segundo, ficar com a pele vermelha é uma reação aos raios UVB sozinhos e nos diz pouco sobre os danos que sua pele ter tido causado pelos raios UVA. Muitos danos podem ser causados sem que o sintoma da queimadura aconteça (pele vermelha).

Obs: esse pedaço todo sobre FPS foi traduzido do Formula Botanica. (5)

Qual a diferença entre os raios solares

“De acordo com o comprimento de onda, os raios ultravioletas (raios UV) são classificados em raios UV-C (200- 290nm), em raios UV-B (290-320nm) e em raios UV-A (320-400nm). Os raios UV-B são carcinogênicos, e a sua ocorrência tem aumentado muito, progressivamente à destruição da camada de ozônio, o que tem permitido, inclusive, que raiosUV-C alcancem mais a atmosfera terrestre, e estes são mais potencialmente carcinogênicos. Por sua vez, os raios UV-A independem daquela camada, e causam câncer de pele em quem se expõe a eles em horários de alta incidência, continuamente e ao longo de muitos anos. Os raios UV-A também contribuem para o início, ou piora das doenças ocasionadas pelo sol, são responsáveis pelo fotoenvelhecimento (aparecimento de manchas e rugas) e seus efeitos são cumulativos.” (2)

Como funcionam os protetores solares químicos

Mais comuns no mercado, os protetores solares químicos funcionam depois de cerca de 20 min de ter sido passado na pele. Eles têm uma composição que mistura vários ingredientes para proteger tantos dos raios UVA quanto dos raios UVB. A SBD recomenda que se use uma colher de chá para o rosto e 3 colheres de sopa para o corpo não deixando nenhuma área desprotegida (1)(4), reaplicando a cada duas horas ou em caso de sudorese intensa ou contato com água. Ou seja, a cada mergulho no mar e na piscina, a cada secada com uma toalha, a cada duas horas deveríamos reaplicar o protetor solar para garantir a proteção esperada pelo FPS do produto.

Quais os problemas dos protetores solares químicos

Substâncias: A gente acaba questionando tudo o que dizem pra gente ser seguro, vocês bem sabem. Já falei por aqui várias vezes dos estudos que mostram que ingredientes comuns de cosméticos como parabenos e sulfatos são considerados alergênicos e cancerígenos. Por que com o protetor solar deveria ser diferente, né?

Algumas substâncias comuns em protetores solares químicos algumas foram consideradas nesse estudo (3) potencialmente perigosas, como 3-(4-methylbenzylidene)-camphor (4-MBC), octyl-methoxycinnamate (OMC), octyl-dimethyl-PABA (OD-PABA), bexophenome-3 (Bp-3) e homosalate (HMS) (Krause, 2012; Schlumpf, 2001). Substâncias presentes nos protetores podem estar ligadas à câncer de mama, segundo outros estudos. (6) Aqui, nesse ponto, existem muitos e muitos estudos com muitos e muitos ingredientes considerados bem problemáticos na formulação dos protetores.

Na questão sustentável, a maioria dos protetores solares comuns não são biodegradáveis e são bioacumulativos. Ou seja, eles permanecem na praia, na areia, na água etc. (9)

Uso: Como a gente falou ali em cima, um dos principais problemas é que as pessoas não usam o protetor solar segundo as especificações recomendadas (5) tanto dos fabricantes quanto da SBD, diminuindo sua proteção. Depois que como a gente viu no tópico sobre FPS, nenhum protetor solar protege 100% dos raios UV, então não devemos achar que protetor solar seja suficiente para proteger a pele de doenças como câncer nem que podemos pegar sol do meio-dia e nos considerarmos seguros.

Apesar de existirem alguns problemas, devemos lembrar que ainda assim os protetores solares químicos industrializados são produtos considerados importantes e existem muitos testes laboratoriais pela Anvisa e Inmetro (e organizações internacionais) que garante sua eficácia quanto a proteção solar (não quanto à formulação, nesse caso). Por isso, não estou dizendo que não se deva usar esses produtos. Dá pra procurar marcas que usem substâncias que sejam consideradas mais seguras e menos problemáticas que essas ali acima (e outras de outros estudos que a gente for pesquisar). 

Mas então quais protetores solares usar?

Existem muitas substâncias que atuam como fotoprotetores. Entre elas, o óxido de zinco e o dióxido de titânio são os ingredientes normalmente usados para protetores solares físicos e são considerados eficientes e seguros. Eles criam uma barreira física que reflete os raios e impede que eles cheguem na pele, protegendo. Também dá pra fugir dos protetores solares químicos pra quem quer uma proteção um pouco mais perto do natural possível.

Então eu posso fazer meu próprio protetor solar com óxido de zinco?

Não deveria.
Não mesmo, gente.

“1. Para ser efetivo, o protetor solar precisa defender contra raios UVA e UVB. Precisa ser de “amplo espectro”. Para conseguir isso, várias combinações de filtros UV são utilizadas. Os filtros escolhidos devem ser:
– Propriamente solubilizados (o que geralmente é conseguido através de esteres, conhecidos por essa propriedade com uma fase oleosa suficientemente grande). Cristalização de filtros sólidos podem acontecer, o que reduz o FPS, a estabilidade e o sensorial da fórmula. Cosmetologistas fazem testes para garantir que não haverão recristalizações com o tempo.
– Não reagir com os outros ingredientes da fórmula.
– Serem foto estáveis (não degradarem com a luz).
– Estarem dentro dos limites legais.
– Estarem homogeneamente e igualmente dispersos na emulsão, a qual, especialmente para óxido de zinco, é muito desafiador mesmo usando o Silverson (homogeneizador usado em laboratório).
– Óxido de zinco também tende a migrar, aumentando assim o pH e formando complexos alcalinos de Zinco e aglomeração, resultando em uma redução significativa de FPS e em instabilidade.
– A proporção ideal de filtros UVA e UVB precisa ser escolhida para se obter um protetor solar de amplo espectro. 

2. Emulsionantes, agentes de consistência, emolientes, agentes formadores de filme vão afetar o FPS. Por isso precisam sem escolhidos com cuidado. Cosmetologistas precisam saber quais ingredientes em cada categoria dessas são apropriados para usar. Alem disso, alguns conservantes são desativados pelos filtros UV. 

3. É necessário a formação de um filme homogêneo sobre a pele para que o filtro UV seja efetivo, então, a camada aplicada e o tamanho da emulsão formada também afetam o FPS. 

4. Com todas as variantes acima, é impossível, mesmo para um especialista (químico/farmacêutico especializado em cosmetologia = cosmetológo) prever o valor do FPS final, já que ele é muito complexo. O produto precisa ser enviado para vários testes laboratoriais para que o FPS seja determinado. 

5. Protetor solar é classificado como medicamento nos EUA, e está sob regulação da FDA. Complementando: aqui no Brasil, protetor solar é classificado como cosmético de grau II, e é fortemente regulamentado.”

Todas essas informações acima foram escritas pela cosmetóloga Jane Barber e traduzidas pela Ane do Cosmetologia Orgânica. Dá pra entender que fazer um protetor solar estável do ponto de vista técnico é bastante difícil. Caseiro então, impossível. Resumindo:

  • Óleos vegetais não são estáveis na luz. (7)
  • Óxido de zinco costuma ser bastante instável e precisa de muitos estudos pra que a mistura fique estável e permaneça assim depois de o cosmético ser aberto, em uso, etc.
  • Um protetor solar físico precisa criar uma camada homogênea para garantir a proteção e uma mistura caseira não consegue garantir isso do ponto de vista técnico, apesar de talvez visualmente parecer tudo ok.
  • Uma mistura caseira não tem estabilidade nem eficácia testada (lembrando que teste é teste em laboratório, não a experiência pessoal de ir à praia e não ficar vermelho, mesmo porque já falamos antes que nem só o vermelho é indicador de danos à pele). Mesmo que uma pessoa faça uma mistura e teste, é bastante difícil fazer isso em casa. Mesmo assim, quem reproduzisse essa receita deveria fazer nas mesma condições e com os mesmos equipamentos, coisas que não acontecem em coisas artesanais e caseiras.
  • Além disso, existem vários tipos de pele e só dá para saber se a mistura é eficaz em todas as peles e situações depois de vários testes em laboratório.

Apesar de existirem algumas imagens que mostram o suposto FPS dos óleos circulando na internet, não é bem assim que funciona. Alguns óleos vegetais têm FPS (10) mas não existem testes sobre o quanto esse FPS é real quando passado na pele, fora que não usamos óleo vegetal puro, quanto tempo esse FPS dura já que óleos vegetais são fotossensíveis. Nesse link (7) fala mais especificamente sobre isso, mostrando os estudos porque não é bem assim. É mais perigoso ainda receitas que tenham óleos essenciais em sua composição, já que muitos podem causar queimaduras e grandes problemas na pele se passados diretamente, expostos ao sol, etc, principalmente quando a receita diz “gotas do óleo essencial da sua preferência”. Primeiro porque nesse caso não se mede em gotas, deveria se medir em peso pra ter um percentual de proporção da fórmula total e depois porque nem todo mundo sabe quais óleos essenciais podem causar queimaduras.

Por tudo isso eu não recomendo ninguém a 1) fazer uma mistura caseira para proteção solar e 2) comprar um protetor solar artesanal, não industrializado. Não tenho como impedir que você faça isso se você acredita que uma mistura caseira é suficiente. O que eu posso fazer é esse post gigantesco que pontua os motivos pelos quais acho isso bastante perigoso.  

Mas como me protejo do sol então?

Se proteger do sol é uma tarefa que não envolve só um esforço. Então:

  • Não pegue sol das 10h às 16h se for possível. Fuja, fique na sombra, acorde cedo pra ir pra praia, mas não pegue sol nesse período porque ele é o mais nocivo. Eu, particularmente, fujo. Eu não pego sol nesse horário de jeito nenhum, nenhum mesmo.
  • Quando for pegar sol, use chapéu, óculos de sol com FPS, roupas compridas, panos, tendas e guarda-sol (pra esse último, tecidos preferencialmente de algodão que protege 50% dos raios UV comparado com sintéticos que deixam passar 95% dos raios) (1).
  • Quando for ficar muito tempo no sol (praia, piscina, etc), passe protetor solar a cada duas horas ou toda vez que se molhar, suar muito ou se secar na toalha. Use a medida de uma colher de chá para o rosto e três colheres de sopa para o corpo.

Sim, tudo ao mesmo tempo. A gente viu que o FPS dos protetores não chega em 100%, precisa usar chapéu e óculos, precisa evitar o sol forte das 10h às 16h.  

Que protetores solares são seguros?

  • Protetores solares químicos tem garantia de proteção solar, regulamentada pelos órgãos responsáveis sobre isso. Se for sua única opção (já que os outros são bem mais caros), compre e use um protetor solar comum quando for se expor ao sol por longos períodos.
  • Alguns protetores solares químicos têm formulações com substâncias menos problemáticas, como o Mustela Infantil FPS 50. É um protetor solar voltado para bebês, com uma formulação que tem alguns ingredientes naturais, os fotoprotetores não são os citados naqueles estudos acima e tem dióxido de titânio.
  • Protetores solares físicos que usem como fotoprotetores o óxido de zinco e ou o dióxido de titânio. Precisam ser versões industrializadas para serem consideradas seguras, com regulamentação da Anvisa e farmacêutico responsável. Tem da Adcos FPS 50, que também é vegano e cruelty free.
  • Nesse post do Modefica que também fala da diferença sobre protetor solar químico e físico tem esse link pra quem for aos EUA com mais opções de marcas orgânicas e filtros físicos.
  • A Nyle Ferrari do Lookaholic fez um super guia de protetores solares, analisando fórmula por fórmula sobre sua segurança. Clique aqui para ler.

Fontes consultadas:
(1) Sociedade Brasileira de Dermatologia, Câncer da Pele, acesso em: http://www.sbd.org.br/doenca/cancer-da-pele/
(2) Protetor Solar II, acesso em: http://www.inmetro.gov.br/consumidor/produtos/protetorSolar2.asp
(3) Chemicals and Radiation Linked to Breast Cancer, Breast Cancer Fund, acesso em: http://www.breastcancerfund.org/clear-science/radiation-chemicals-and-breast-cancer/sunscreens-uv-filters.html
(4) Sunscreens explained, em Skin Cancer Foundation, acesso em: http://www.skincancer.org/prevention/sun-protection/sunscreen/sunscreens-explained
(5) Sunbathers’ application of sunscreen is probably inadequate to obtain the sun protection factor assigned to the preparation, acesso em: http://europepmc.org/abstract/med/1343224
(6) Exposure to Chemicals in Sunscreen acesso em: http://www.breastcancer.org/risk/factors/sunscreen
(7) Why you should not use coconut oil as a sunscreen, acesso em https://formulabotanica.com/not-use-coconut-oil-sunscreen/
(8) Infográfico da The Cosmetic, Toiletry & Perfumary Association sobre como é o processo de fabricação de protetores solares, acesso em: http://www.thefactsabout.co.uk/document.aspx?fileid=2346
(9) Sunscreen Chemical Threatens Coral Reefs, acesso em: http://oceanservice.noaa.gov/news/feb14/sunscreen.html
(10) UV-blocking potential of oils and juices, acesso em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26610885

Author: Cristal Muniz

Cristal Muniz decidiu em 2015 que iria parar de produzir lixo e por isso criou o blog Um Ano Sem Lixo. Ao longo desses anos já deu várias palestras em escolas, universidades e eventos contando quais são os principais desafios e o que mudou na sua vida para alcançar o objetivo do lixo zero. Um ano virou uma vida e em julho de 2018 publicou o livro Uma vida sem lixo (Editora Alaúde), o primeiro livro sobre como ter uma vida lixo zero do Brasil.

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  • Como é possível suprir a necessidade de vitamina D usando protetor solar + roupa protetora + chapéu + óculos + guarda sol?

    • Pegando sol rs essa recomendação é para dias de praia ou piscina, muitas horas de sol e não para o dia a dia. A recomendação é pegar 15min diários em áreas grandes do corpo, então uma caminhada por dia pode ser suficiente.

  • nao entendi. No texto vc indica a adcos, mas no link que deixou no texto sobre as avaliacoes dos protetores, ele está com nota ruim, e testa em animais.